Lançado em Salvador o Centro Internacional de Estudos Avançados Sobre Brasil, África e Diásporas - CIEABAD

Mazza – Quais são os objetivos do CIEABAD? Carlos Moore – São vários. Primeiro, promover o estabelecimento, no Brasil, de genuínas instituições voltadas para os Altos Estudos sobre África, as Relações Raciais e as Diásporas Africanas. Segundo, acompanhar as relações do Estado brasileiro e das multinacionais brasileiras com os países do continente africano. Terceiro, monitorar a maneira em que a África é apresentada pela mídia deste país, bem como os assuntos referentes a esse continente; e prover a sociedade civil brasileira com canais de informações alternativos sobre a África e suas realidades. Quarto, incentivar as pesquisas internacionais e nacionais em torno a três grandes projetos: a) a definição das bases estruturais que poderiam facilitar, na África, o projeto de federalização do continente; b) a definição das bases estruturais que poderiam facilitar, no Brasil, a transição democrática para uma sociedade verdadeiramente multirracial; c) a definição das condições estratégicas que poderiam facilitar o surgimento, no século XXI, de uma aliança de países do Atlântico Sul, em torno a uma parceria Brasil-África. Com efeito, vemos essa possibilidade como um evento capaz de influir na democratização das relações internacionais e consolidar a tendência para a multiplicação dos centros de poder. Uma primeira conferencia internacional de especialistas incumbidos de chefiar os grupos de pesquisa que irão trabalhar nesse sentido está prevista para ocorrer em Salvador, Bahia, em abril 2008. Mazza – Como surgiu exatamente a idéia desse projeto? Carlos Moore – Na realidade, a idéia inicial partiu de Ivete Sacramento, em 2000, momento em que ela iniciava seu mandato de reitora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e Hélio Santos. Ivete Sacramento até tentou transformar um órgão que já existia na UNEB – o Centro de Estudos das Populações Afro-Indígenas-Americanas (CEPAIA) – num Centro de referência para o estudo da África, das diásporas africanas e das relações raciais. Eu acabava de chegar no Brasil, mas aceitei o desafio. Lembro-me de que Hélio Santos me propôs a criação de um Instituto de Altos Estudos sobre África, as Diásporas Africanas e as Relações Raciais e, inclusive, quis estabelecer uma Fundação para o Desenvolvimento Afro-Americano para esses fins. Assim, em 2006, após muitas e longas conversas entre vários pesquisadores e intelectuais, brancos e negros, chefiados por Kabengele Munanga, Hélio Santos, Ivete Alves Sacramento e eu, decidiu-se, finalmente, a criar o CIEABAD. Mazza – Quais eram as suas preocupações ao tomar essa iniciativa? Carlos Moore – Eram várias. Primeiro, ajudar a consolidar a Lei 10.639/03, que eu, pessoalmente, considero como uma das iniciativas mais democráticas empreendidas por um governo neste hemisfério desde a lei que generalizou os Direitos Civis dos negros nos Estados Unidos, ao início dos anos 1970. Havia que apóia-la e evitar que ela fosse destruída por descumprimento, ou porque alguns grupos de interesses se aproveitassem dela para fazer o que sempre fazem: lucrar. Segundo, havia que impedir que as disposições positivas que o Estado brasileiro vinha tomando desde 2000 – introdução da noção das ações afirmativas, das cotas raciais nas universidades, do cadastramento e titularização das terras quilombolas, etc. – fossem freadas pela parte conservadora da sociedade que se opõe a elas. E, terceiro, estávamos preocupados em impedir que a relação do Estado brasileiro com a África fosse seqüestrada, também, pelos mesmos interesses que, aparentemente, estão tentando seqüestrar as diferentes conquistas democráticas da sociedade civil brasileira. Sabíamos que só a organização e a determinação poderiam ajudar a estender a ação democrática do Estado e proteger as conquistas sociais do Movimento Social Negro, por exemplo. "Mazza – É esse o sentido de sua proposta de criação de um Centro Internacional de Estudos Avançados sobre Brasil, África e as Diásporas (CIEABAD), a partir de Salvador? Carlos Moore – Sim. Ele corresponde a uma demanda que não cessa de crescer, não somente no Brasil, mas no resto do mundo, em se considerando a situação que vive o continente africano. Há muita preocupação em torno à África, especialmente entre os afrodescendentes e as correntes democráticas deste país e do mundo inteiro. Mazza – Um grande problema que confrontam os movimentos sociais, para realizar seus objetivos, é a falta de recursos. De onde provirão os recursos para sustentar um projeto tão ambicioso como o é o CIEABAD? Carlos Moore – Os recursos econômicos desempenham um papel importante na sobrevivência ou não de uma instituição. Entretanto, os recursos humanos, também, são vitais. Por isso, queremos juntar a ele somente as pessoas idôneas, cuja coerência política e probidade moral são inquestionáveis. Trata-se de um projeto que corresponde aos melhores interesses das sociedades civis africana e brasileira. Mazza – Tem-se notado que, freqüentemente, muitas das velhas reivindicações do movimento negro, que agora se concretizam como conquistas, são imediatamente aproveitadas para satisfazer interesses pessoais de indivíduos que até são hostis aos afrodescendentes. Carlos Moore – Os interesses mercenários existem desde que Roma os erigiu em princípio de governo. Roma espalhou essa prática pelo mundo antigo e hoje ela forma parte de nossas vidas cotidianas. Mas, o império romano caiu, como caem todos os impérios, diante da determinação dos povos agredidos e colonizados. Mazza – Como o senhor avalia a produção dos intelectuais negros para a superação da discriminação racial e do racismo? Carlos Moore – De modo geral, os movimentos negros deste continente, e seus intelectuais, apresentam as mesmas forças e fraquezas. São formidáveis na prática da denúncia, na ação radical direta, mas apresentam grandes problemas na teorização de suas próprias ações. Por outra parte, a maioria dos intelectuais negros que eu conheço, parece vacilar ainda entre a ruptura franca com os velhos esquemas reificados pelo Ocidente como superiores, e a exploração pioneira, a única que abre caminhos e cujo horizonte é sem fim. É como se hesitassem ainda a contrariar as estruturas dominantes e a querer galopar sobre dois cavalos indo em sentidos inversos! Cheikh Anta Diop foi uma das grandes exceções. Ele provocou uma profunda ruptura epistemológica nas Humanidades quando introduziu a África, os processos evolutivos e a questão racial como dados fundamentais na produção do conhecimento contemporâneo. Provocou um irreparável racha na fachada do pensamento único promovido pelo mundo acadêmico-intelectual ocidental e iniciou uma verdadeira revolução no pensamento de todos, brancos e negros. Mazza – O senhor pensa que algo similar poderia acontecer aqui, no Brasil? Carlos Moore – Felizmente, já está acontecendo sob nossos olhos. Nós já presenciamos a existência de uma nova geração de jovens, brancos e negros, que estão se interrogando sobre o racismo e o rumo que deverá tomar a Nação. Não acho que alguém possa os forçar a “calar a boca”. Em que pesem as manobras de intimidação de que serão objetos, no âmbito acadêmico ou intelectual, esses jovens deverão se lançar pelo único caminho digno de um verdadeiro intelectual – o caminho do pensamento crítico, sem se importar com a opinião daqueles que se comportam como verdadeiros carcereiros do pensamento". Fonte: Entrevista publicada pela Mazza Edições. www.mazzaediçoes.com.br

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