Mutum: que filme!

Consegui assistir no cinema, antes que a passagem relâmpago pela telona, destino inevitável dos bons filmes de parca bilheteria, me obrigasse a ver Mutum, de Sandra Kogut, em vídeo ou DVD. Este filme é daquelas obras que tocam com uma pluma, a humanidade do mais rude dentre os rudes. Para entendê-lo não é preciso conhecer a obra de Guimarãs Rosa, nem ter cultura cinematográfica, tampouco ser experiente desbravadora da cultura do sertão de Minas Gerais. É só desbloquear as senhas e esquecer os códigos de barra que dão acesso à humanidade perseverante no interior das gentes. Que trabalho magnífico de preparação de atores, gente comum do interior de Minas, talvez aspirante a artista realizando sonho, falando de modo cantado, ora lento, ora atropelado, aquele engolir da última sílaba de uma palavra emendado com a primeira da outra, criando falares e sonoridades novos, única coisa do filme a exigir uma certa especialidade de entendimento, talvez. Gostoso e desafiador desentender, para cortejar o poeta Manoel de Barros, amigo e contemporâneo vivíssimo de Guimarães Rosa. As imagens do sertão mineiro, a fotografia, a beleza de cara lavada de Rosa, a agregada, tão comum na paisagem das famílias do interior, da mãe de Thiago, o menino-protagonista, - além da beleza, o amor transbordante no cuidado com a sensibilidade do filho diferente dos outros -, tudo emoldurado por diálogos simples, densos, nos quais até o pai brutamontes ensina ao filho a única coisa que talvez saiba fazer na vida, cabrocar a terra. Um roteiro belissimamente edificado em poesia fina, em invenção de histórias, nos encantos e dores cotidianos. Eu tive saudade de Cinema Paradiso, do Menino Maluquinho, das Filhas do Vento, de Daughters of the Dusty, da Cor Púrpura, de Sankofa... desses passeios particulares pelo universal, aconchego de uma canção de aboio.

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