Apenas uma mulher

Ela estava de cabeça quente com aquela situação. Quinze dias desempregado e o bonitão não se mexia para procurar trabalho. Tivera de mudar toda a rotina. Antes, quando ele trabalhava o dia inteiro, deixava a menina em casa e a vizinha passava os olhos, enquanto ela faxinava prédios próximos ou preparava congelados na casa dos solteiros. Isso só dois ou três dias da semana. Assim que chegava da aula, a vizinha dava o almoço para evitar que a menina mexesse com fogo. Com um homem dentro de casa ela não deixaria a menina sozinha, nem monitorando de meia em meia hora. De jeito maneira. “Cabeça vazia é oficina do diabo”, prevenia a avó. Estava certa. Ele nunca desrespeitou a menina e ela orientava que qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo, a menina deveria contar para ela. Mas nunca se sabe. Cabeça vazia é oficina do diabo. O homem pediu demissão. Alegou que não agüentava mais passar doze horas dentro de um carro forte, cheio de dinheiro que não era dele, naquele calor infernal que lhe cozinhava os miolos e os bagos. Mas, se ele estava achando que ela iria sustentá-lo, tirasse o cavalo da chuva para não pegar resfriado. Homem para morar com ela tinha de trabalhar, pagar uma parte das despesas. E barriga de tanquinho que não malha, estufa e esparrama. Homem fica sem fazer nada, só pensa em sexo. Daqui a pouco tá cheio de Alexandrinho pela vizinhança. Nela, não, que não é boba. Não pega filho. Afirma que tem alergia a outros métodos e só faz de camisinha, mas toma anticoncepcional escondido. Uma pena. Bom de cama ele é, mas, se não arrumar outro emprego logo, linha na pipa dele. Cabeça vazia é oficina do diabo. (Do livro novo: "Você me deixe, viu? Eu vou bater meu tambor! Ilustração: Lia Maria)

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