Estamira

Uma leitora reage à matéria publicada no blogue sobre Estamira, nome de personagem real e de filme sobre sua vida. Envia-me matéria (ou trecho dela) intitulada “o preço da fama”, publicada por Milene Pacheco, na revista Carta Capital. Diz o texto: “sentada no sofá de sua casa, Estamira Gomes de Sousa nem parece a mesma protagonista do documentário que recebeu seu primeiro nome. Com voz mansa e olhar esmorecido, a ex-catadora de lixo no aterro sanitário Jardim Gramacho passa os dias transitando da cama para o sofá, do sofá para a cama. Só sai para ir ao médico. Prestes a completar 67 anos no dia 07 de abril, carrega em seu corpo exausto as dores de mais de 20 anos de árdua labuta no lixão. Foi lá, no maior aterro da América Latina, que Estamira saiu do anonimato para se tornar a feiticeira, a louca, a dama do Apocalipse. A filósofa. “Eu nem sei o que é filosofia”, responde ao ser informada do título que recebeu de alguns críticos (...)” Frente às reticências, talvez eu devesse pesquisar a revista para ver se o texto continua e entender melhor porque é intitulado “o preço da fama”. Mas não vai rolar, o tempo anda curto. Mesmo assim quero comentar uma impressão ou outra suscitada pelo envio da mensagem e pelo texto. A leitora escreve a frase “só para informá-la” como introdução à matéria pinçada da revista. Parece-me haver dois sentidos divergentes no anúncio: o primeiro seria mesmo de informação despretensiosa sobre o estado da arte da vida de Estamira, às portas dos 67 anos. Uma notícia de que ela continua viva, mesmo que sofrida e debilitada. O segundo poderia contestar a matéria anterior publicada no blogue, por meio de um certo puxão de orelha, “veja o preço que ela paga pela fama”. Quando selecionei a matéria, achei interessante a leitura de contraste feita pelo jornalista sobre as personagens Carolina Maria de Jesus e Estamira, principalmente na rejeição da primeira e aparente adaptação da segunda à vida vivida no meio do lixo, à sobrevivência extraída do lixo, a um lixo de vida, enfim. Mas, não poderia ser a loucura de Estamira - o intenso sofrimento mental demonstrado por ela, a angústia, a revolta vomitada, a tentativa de produzir significado para a vida desumana e indigna vivida no aterro sanitário Jardim Gramacho -, que alguns chamaram de “filosofia”, sua reação de inadaptação à vida-lixo? O subjugado quando reage à opressão parece tornar-se “filósofo” visto pelos olhos (beneméritos) de quem mira seu mundo de fora, com um certo nojo travestido de espanto, não foi assim com Arthur Bispo do Rosário? Em que a fama de filósofa ou do que quer que seja, atribuída à Estamira do documentário, pelos olhares e vozes de gente distante da degradação do mundo miserável, ocupada em elocubrar sobre a miséria, influenciaria a vida da Estamira real? Deslocar-se da cama para o sofá e do sofá para a cama, não deve ser o preço que Estamira paga pela fama, mas por anos a fio de degradação física, moral e espiritual da vida alimentada de sobras misturadas a dejetos, durante “ mais de 20 anos de árdua labuta no lixão”.

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