Redentoras

Existem dois tipos de perseguidoras de viados: as descompreendidas e as cínicas. As primeiras não percebem que o cara é viado, mesmo com o letreiro luminoso que ele carrega na alma, nos gestos, no olhar. As segundas acreditam no mito da conversão, baseado em seus superpoderes de mulher fatal, capazes de redimir tanto uma bicha pintosa quanto um cara que não é tão gay assim – daquele tipo que se guarda num contêiner ou abrigo nuclear. Talvez pela prática de abrigo antibombas, os gays escondidos se defendam melhor das cínicas. Homens heteros, gays e mulheres lésbicas, todo mundo percebe que o sujeito vive no contêiner, mas é gay. Sei lá, é uma questão de energia, de radar, mas a mulher hetero descompreendida ataca o coitadinho. Elas roçam na biba, fazem caras e bocas, ar infantil de adolescente ultrapassada, sopram coisas no ouvido deles. Sim, elas fazem isso, sussurram e mordiscam a orelha, enfiam a mão dentro da camisa, cheiram a nuca. Os caras, denotando falta de interesse, e elas semióticas: decifra-me para que eu te devore. A-go-ra. Não se sabe qual dos dois modelos é mais temerário, mas as sonsas incomodam mais. São de uma insistência constrangedora. Uma dessas pegou um amigo numa festa outro dia. O menino dançava bem. Ela cresceu o olho. Se ela fosse uma hetero compreendida saberia que havia 80% de possibilidade do sujeito ser gay: primeiro, dança (50%), segundo, dança bem (80%). Os meninos são gentis. Distraídos, demoram a compreender o que se passa. Homem gay acha que dançar é uma coisa gostosa, sensual, não é necessariamente o início do coito de coelho debaixo da escada de incêndio. Ele dança e ela se excita. Na cabeça dela há sempre a possibilidade de algo debaixo da escada. Ela acha que a apatia heterossexual dele é timidez, e se movimenta para motivá-lo. Dança como uma ema sibilante e, sabe Deus com que força, acerta-lhe uma umbigada nas partes baixas! Ele ri desconcertado, é um cavalheiro, mas ela já está passando do aceitável. O lampadinha brilha e então ele se dá conta do enredo, ela não percebeu que ele é viado. Não tem outro jeito, ele usa o recurso da pintosidade. Não é seu estilo, mas é pra ver se a racha se toca. Nada. Ela fecha os olhos e desanda a pular, agora como foca com braços e pés de orangotango. Tenta roçar o nariz no nariz dele. Dá um beijinho fungado de esquimó. Pula mais e mais. Loucamente. Num desses pulos, acerta-lhe um joelhaço na parte mais baixa das partes baixas. Ele se curva, dolorido. Despido de qualquer disfarce e delicadeza, aproveita a agressão para fugir da pista. “Tem mulher que... eu vou te contar um negócio. Mãozinhas na frente dos seios como uma coelhinha da playboy. Patético! Mão no joelho, rebola pra esquerda, no outro joelho, rebola pra direita, tenta esfregar o traseiro em mim. Tenha fé em Deus! Que carência, solidão dos infernos. Eu sou gay desde que me entendo por gente. Nem quando criança estive dentro do armário. A única forma que tenho para ajudá-la é indicar minha terapeuta. Louca! Estragou minha festa, me tirou do salão. Se eu não fugisse era capaz dela me encostar num canto e tentar o improvável. Tarada! Que coisa feia é o assédio. Mulher também se aproveita de homem. Não venham me dizer que não, porque se eu não me defendo, meu bem, a essa hora a loba desequilibrada tinha comido o chapeuzinho vermelho aqui.” “Mas pera lá, parece que ela é um caso patológico mesmo”, segreda a amiga-ouvinte. “Outro dia, na volta de uma reunião, no banco do carona ela se sentou no colo do Amarildo. Só ela e ele. Lugar tinha de sobra. Ela força a barra. Parece o Comando Vermelho atrás de polícia. Atira pra todo lado”. “E o Amarildo?” “Bem, ele ameaçou saltar do carro e ela agora espalha aos quatro ventos que ele é viado.” (Do livro novo: "Você me deixe, viu? Eu vou bater meu tambor!")

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