TPM

Vem a moça na mesma calçada, chorando. Diminuo o passo, aperto os olhos e vejo que a conheço. É a garota negro-capixaba que admiro tanto. Encurto o passo ainda mais. Espero. Ela desvia, eu a chamo. Eusébia. Ela ouve um alento, pára e enxuga os olhos. Sorrimos e nos abraçamos. Não pára de chorar. Posso ajudar? Pergunto. Quer água, café, suco? Não. Ela não quer nada. Diz que é a TPM, logo passa. Desconfio. Tenho para mim que TPM é vala comum onde homens jogam tudo o que não compreendem sobre a mulher. Mulheres fazem o mesmo, depositam naquela vala as complexidades cotidianas, chatas e incansáveis, que de tanto pressionar os ovários, explodem em lágrimas, gritos, dores. Nada mais pergunto. Mostro os livros que trago na bolsa e conto os preços, promoção das promoções: a obra poética completa, bilíngüe, bem traduzida e revisada do Lorca por trinta e cinco. A biografia do Machado, premiada no Jabuti, por trinta. Cora Coralina da casa velha da ponte e dos becos de Goiás. Contos de Carlos Lacerda. Crônicas de Manuel Bandeira. Eusébia se anima, não há como não se animar. Os olhos estão menos vermelhos. O olhar é triste, como sempre. Nos despedimos. Ela me abraça. Repete no meu ouvido que é a TPM, logo passa. (Do livro novo: "Você me deixe, viu? Eu vou bater meu tambor!" Ilustração: Lia Maria.)

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