"Passeios pela floresta" - primeira crítica ao Cinderelas, de Joel Zito Araújo

(Por Carlos Alberto Mattos, no sítio "Críticos"). "A referência a contos de fadas não poderia ser mais adequada às tantas histórias de fantasia, gratificação e terror que fazem a teia do turismo sexual no Brasil. Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado nos dá um painel expressivo desse intercâmbio de ilusões, degradação e abismos culturais, mas também alguns exemplos de final mais ou menos feliz. Na ponte entre Roma, o Nordeste brasileiro e Berlim, Joel Zito Araújo encontrou pessoas transbordantes de sinceridade, seja italianos e alemães encantados pela disponibilidade e até o caráter “econômico” da mulher brasileira, seja baianas e cearenses fascinadas pela perspectiva de ter um gringo que as retire “dessa vida” nem que seja por uns poucos dias de pseudo-casamento. Alguns casos tocam o horror, como o de Ana Madonna, barbaramente torturada numa espelunca do Suriname, ou da menor que entrava em motéis de Fortaleza escondida no porta-malas de turistas estrangeiros. Outros casos beiram a tragicomédia, como a baiana fogosa que, decepcionada com as cobertas separadas e a perda de interesse sexual do marido alemão, ganhou como consolo um colete de água quente. Joel Zito é ótimo entrevistador, incisivo e delicado ao mesmo tempo. Seu foco de interesse vai da questão racial (ele é autor do também ótimo A Negação do Brasil) aos dilemas afetivos, diferenças de comportamento e à dimensão política desse aspecto das nossas, digamos, relações internacionais. Se a qualidade dos depoimentos é excelente, ficam ainda melhores no quadro de situações que o diretor conseguiu armar diante da câmera. Fica nítida a compreensão de que a temperatura dramática se eleva quando se tem diversos personagens ao mesmo tempo dentro do quadro. Os exemplos se multiplicam no filme: a adolescente prostituta e miserável que se enrosca na mãe passiva como um animal assustado; o agenciador alemão confraternizando com sua “família” de vistosas mulatas brasileiras; o casal germano-brasileiro que desfia seus lucros e perdas para Joel Zito; os divertidos relatos de um cabelereiro e um travesti durante uma sessão de penteado. O filme não usa nenhum discurso que possa reduzir a complexidade do assunto. A senadora Patricia Saboya chega a comover-se enquanto fala de sua luta pela erradicação do turismo sexual, mas boa parte das mulheres envolvidas coloca a questão em termos de carência. Todo tipo de carência: emocional, financeira, de informação. Nesse sentido, não há muita diferença entre as que procuram ser felizes para sempre ao lado de um príncipe encantado e as que entregam o corpo em troca do próximo prato de comida. Quem não entender isso que atire a primeira pedra". DOM (28/9) 22:30 Odeon Petrobras [OD015]. SEG (29/9) 10:30 Odeon Petrobras [OD016]. TER (30/9) 13:00 Est Vivo Gávea 3 [GV316]. TER (30/9) 19:30 Est Vivo Gávea 3 [GV319].

Comentários

samya disse…
Oi Cidinha, tudo bem? tua critica me fez um lembrar um episodio que me chocou profundamente quando estava na Italia. Eu morava na casa da familia do Eric, um marfinês que conheci no Brasil e que se tornou minha familia. Pois então, moravamos em Roma e um dia estava na casa de uma amiga brasileira e estavamos jantando amigavelmente entre mulheres, logo depois da janta disse que eu tinha que sair, pois iria me encontrar com o Eric e com os primos dele. Uma das brasileiras presentes decidiu me dar uns conselhos, me disse que eu "não precisa disso" não precisava continuar saindo com esses pretos pois além de branca eu nem era feia e poderia tranquilamente arrumar um italiano, um homem branco pois saindo com esses pretos eu perderia completamente o valor (leia-se valor de mercado). Eu me senti profundamente insultada, como mulher e como ser humano. Então o meu valor se media pela cor do homem que era ao meu lado? E na Europa eu tinha finalmente a possibilidade de ser alguém, de ter um marido branco.
Essa é so uma das muitas historias de racismo, de negação e de profundo complexo de inferioridade que vivi e continuo vivendo nos meus anos por aqui, como a brasileira que saiu da um otimo apartamento na periferia de paris para morar num quartinho de 9m2 no centro onde ela podia finalmente se livrar desses vizinhos extrangeiros que nada mais eram que franceses que por pecado carregavam um nome arabe ou africano. Desculpe ai o desabafo, mas às vezes preciso exorcizar um pouco.
Beijos e quem sabe a gente se vê outra vez por aqui.

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