Carta aberta à Luisa, respostada por ela

Carta aberta para Luisa (Por: Henrique Goldman) "Oi Luisa, Será que você lembra de mim? Sou filho da dona Fany, do Bom Retiro. Provavelmente você lembra, mas talvez por desgosto tenha removido aquela absurda tarde da memória. Só me permito lembrar - lavando estes panos sujos assim tão publicamente - porque o mundo é cheio de Luisas. Porque já se passaram 32 anos e porque, lamentavelmente, o que aconteceu entre nós não é tão incomum. Quantos anos você tinha? Vinte, trinta? De onde você era? Quem você era? Só sei que você era empregada de casa, que teus seios eram fartos e que eu tinha 14 anos. Você era tímida e já trabalhava em casa há algumas semanas quando a Sheilinha, uma colega de classe, me disse que você já tinha trabalhado na casa da família dela e que você "dava para um motorista de táxi". A idéia de que você "dava" não saiu da minha cabeça, e você começou a estrelar obsessivamente todas as minhas punhetas. De tarde eu fi cava rondando pela área de serviço enquanto você lavava a roupa. Era um tesão incontrolável, afl ito, desesperado e covarde. Eu nunca gostei daquele bosta do Adalberto e não me perdôo por tê-lo envolvido nessa história. Até hoje, nas poucas reuniões da turma do colégio Renascença, eu o evito. Mas ele era maior e mais corajoso, e eu recorri a ele. Sinto muito remorso, Luisa, pelo que fizemos. Meus pais e irmãs tinham saído e você estava varrendo a sala quando eu e o Adalberto demos o bote. Não lembro qual foi o nosso papo, mas imagino que tenha sido a coisa mais ridícula do mundo. Pedimos, insistimos sem parar para que você "desse" para nós. CASA-GRANDE E SENZALA Lembro de poucos detalhes. Você não queria, mas por força da nossa insistência acabou cedendo. Sinto ódio do Brasil quando penso que você provavelmente tivesse medo de perder o emprego. O Adalberto, é claro, foi o primeiro. Subi numa escada e fi quei olhando através da janelinha do cubículo que era o teu quarto. Depois fui eu. Não foi bom, Luisa. Na hora do vamos ver fi quei envergonhado e não rolou legal. Até hoje me envergonho. Muito. Espero que você esteja bem. Espero que para você a memória daquela tarde não seja tão ruim e que você hoje possa rir do que aconteceu. Desculpas, Luisa. Henrique". *Henrique Goldman, 46, cineasta paulistano radicado em Londres, tornou-se mais jeitosinho com as mulheres ao longo dos anos. Fonte (e link para comentários): http://revistatrip.uol.com.br/coluna/conteudo.php?i=25613 Resposta da Luisa: Oi Henrique, li sua carta na revista Trip na casa da minha patroa. O filho dela de 14 anos foi quem veio me mostrar e brincou: “será que foi você, Luisa?” Sim, fui eu. Oh crueldade do destino, mas não deixei ele saber. Na hora fingi que não me interessei, mas assim que ele saiu pra jogar playstation com os amigos, peguei a revista e corri pro banheiro. Passou um filme na minha cabeça, Henrique, eu me lembro de tudo, sim. O motorista de táxi eu conheci na escola noturna, saí com ele algumas vezes, mas não cheguei a dar, não. Não foi por falta de insistência, nem de vontade, minha e dele, mas ele sabia que eu era virgem e tinha medo que eu engravidasse, não queria problemas com minha família. Quando ele me viu de barriga, chorou, não sei se de raiva ou tristeza, nunca mais falou comigo. Também a gente se mudou logo dali, meus pais não suportaram a vergonha de ter uma filha barriguda. A sua mãe ajudou muito, muito mesmo, com conselhos, pra eu retomar o juízo, e com dinheiro pra mudança. Até quando a menina nasceu, minha mãe dizia que D. Fany era uma patroa muito boa, que eu não tinha sabido aproveitar. Depois ela cresceu e os olhos ficaram muito parecidos com os seus, minha mãe deixou de elogiar a sua. A coisa que mais me lembro, Henrique, é que você pegou do chão o tapete e jogou na minha cara, disse que olhando pra ela não ia conseguir. Foi como um filme, Henrique, eu não esqueço. Minha filha faz faculdade de Direito e estágio na Defensoria Pública. É uma moça bonita, inteligente e feliz, não precisou passar pelas coisas que passei. Hoje tenho 48 anos, mas pareço ter pelo menos 60. Não devo ter mudado muito, quando tinha 16, você me dava 30. Vou pedir a revista emprestada e levar pra menina ler, pena que não tenha foto sua.

Comentários

Anônimo disse…
Cidinha, Sem comentários. Deixei meus comentários no site da TRIP.

http://revistatrip.uol.com.br/coluna/conteudo.php?i=25613#comments
Anônimo disse…
Cidinha, querida,

Que texto dez! Sensível, criativo, humano.
Nem como ficção nem como confissão pública, o texto do Goldman deveria ter sido publicado. Resta aqui minha dúvida sobre a inocência de alguém já maduro que tenha como inspiração literária escrever algo tão desumano e aviltante. Por que só faz legitimar o quase folclore do “transar com a empregada” como opção de treino sexual gratuito. Luisa, uma vez mais, serviu ao deleite de alguém. Por que não o folclore, então, das primas, das tias jovens, das professoras? Faz lembrar a reação do adolescente que incendiou o índio legando “era só um índio!”.
Unknown disse…
menina que sensibilidade e ótima cutucada.....tb deixei um comentário na página da TRIP...vamos divulgar a resposta da LUISA...
Cecilia Barroso disse…
Excelente resposta a uma das maiores canalhices que eu já vi serem impressas...
Parabéns!
Anônimo disse…
Oi, Cidinha!

Muito bom o texto. Você só errou na contagem. No texto ele diz que o fato ocorreu há 32 anos, mas a "Luisa" diz que tem 38.

Algo de errado, não?!

Beijos e sucesso!!!

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