Cartas de um pai (preso político) para o filho de 8 anos

Joel Rufino, autor de "Quando voltei, tive uma surpresa" (Rocco), é negro, como sabido. Foi preso político da ditadura militar. Naquele tempo, estranhava-se a presença de negros entre os presos políticos, era como se estivessem na ala errada, deveriam estar entre os presos comuns, seus iguais. A ditadura é também mais um capítulo do racismo brasileiro. É só olhar com olhos de ver. Sinopse da editora: Um luta desesperada e inglória de um pai na tentativa de evitar sofrimentos a um filho. Assim são as cartas enviadas pelo historiador Joel Rufino a Nelson, então com 8 anos, durante o tempo em que esteve encarcerado como preso político no Presídio do Hipódromo, em São Paulo, entre 1973 e 1974. Assim como o protagonista do filme "A vida é bela", Joel fez de tudo para esconder uma trágica verdade de seu filho. Mas seu objetivo não foi alcançado: sem ver o pai há muito tempo, Nelsinho entende que fora abandonado. Surge para Joel o maior dos desafios: explicar a uma criança que está preso, mas não é bandido. Desde as primeiras cartas, ele dizia que tinha sido "convidado" pelo governo brasileiro a "contar" algumas coisas que tinha feito. "Por exemplo, eu dei algumas aulas sobre coisas que o nosso governo não gosta que se conte, escrevi livros que nosso governo também não gosta." Joel dizia que sua vida seria decidida por um juiz e apostava: "Ele vai dizer: seu Joel, não tem mal algum o senhor ter as suas opiniões. Pode ir embora." Mas, ao contrário, ele foi ficando... Em seus relatos maquiados, Joel dizia que estava "hospedado" com mais 40 pessoas "que também não concordavam com o governo", entre engenheiros, estudantes, operários, professores, camponeses. Contava que faziam a comida, jogavam bola três vezes por semana ("eu estou com as canelas cheias de calombos porque todas as vezes que vou fazer um gol aparece um "grossoí para me chutar"), e que estavam aprendendo trabalhos manuais "bacanas" como fazer bolsa, colares, canetas, chinelos etc. De noite, viam TV ó até o dia em que o dono da televisão "se mudou" (foi solto) e ficaram sem poder assistir às novelas. Numa tentativa de se fazer presente na rotina escolar do filho, ele treina Inglês nas cartas, conta histórias como a de Zumbi dos Palmares, fala de livros como O velho e o mar, além de sugerir títulos infantis que lia em jornais velhos do presídio. Depois que Joel recebe uma caixinha de hidrocores coloridos do filho, passa a escrever as cartas usando cada cor para um trecho. E se exibe: "Meus amigos morrem de inveja, só eu tenho hidrocores coloridos!". Todas as cartas reunidas no livro têm o carimbo do presídio e foram guardadas por Teresa Garbayo dos Santos, a mãe de Nelsinho. É dela o alerta enviado a Joel sobre a necessidade de se esclarecer os fatos para o filho, "que começava a viver o afastamento como abandono." Ao ser informado de tudo, Nelson entrou debaixo da cama e lá permaneceu abraçado à gaiola com seu passarinho: "assim ele expressou a sua dor ao saber que o pai estava preso", relembra Teresa. As cartas que Nelsinho escreveu para o pai ficaram retidas na prisão. Quando eu voltei, tive uma surpresa recebeu o selo de Altamente Recomendável Jovem distribuído pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) aos livros que mais se destacaram no ano 2000. O prêmio da FNLIJ é um dos mais importantes do país. Além de ser um valoroso e raro documento sobre um pedaço da história de nosso país, é uma comovente prova de amor de um pai a um filho. Uma boa leitura para crianças, adolescentes e adultos.

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