Processo do mensalão vai marcar quebra de modelo de corrupção, diz Joaquim Barbosa


Le MondeNicolas Bourcier
  • Antonio Araujo/UOL
    Ministro Joaquim Barbosa durante sessão do julgamento do mensalão
    Ministro Joaquim Barbosa durante sessão do julgamento do mensalão
Juiz do Supremo Tribunal Federal desde 2003, Joaquim Barbosa foi designado em agosto de 2005 como o relator do processo do caso do “mensalão”. Reconhecido por sua independência, esse especialista em direito público, titular de um doutorado na Universidade de Assas em Paris, também é o primeiro negro a atuar na instituição. Aos 58 anos de idade, ele se tornará em novembro o presidente dessa que é a mais alta jurisdição do país.
Le Monde: Em quê esse julgamento é “histórico”?
Joaquim Barbosa: As acusações dizem respeito ao maior escândalo de corrupção e de desvio de verbas públicas jamais revelado no Brasil. É a primeira vez que tantas personalidades tão poderosas são chamadas para depor. Imagine: há ex-líderes políticos, empresários, até o ex-presidente de um banco. No Brasil, existe essa tradição arraigada de longa data segundo a qual um rico não comparece perante um juiz. Nesse sentido, esse processo provocará uma conscientização. Ele marcará a ruptura de um modelo de corrupção neste país. É por isso que precisamos ter o julgamento mais claro e mais justo possível. Acrescento que o Supremo Tribunal não tem o hábito de fazer esse tipo de julgamento. É só o terceiro em toda sua história. Ademais, os meios políticos pensavam que o dossiê ia morrer de velhice na gaveta de um juiz...

O julgamento do mensalão no STF

Foto 1 de 200 - 20.ago.2012 - O revisor do processo do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, é visto durante sessão do 12º dia de julgamento do mensalão, nesta segunda-feira (20). Em seu voto, o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, decidiu pela condenação de Henrique Pizzolato e pela absolvição de Luiz Gushiken Roberto Jayme/UOL
Le Monde: Na condição de juiz relator desde o início do caso em 2005, quais dificuldades o senhor teve para montar o dossiê de acusação?
Barbosa: Isso não foi tão difícil de um ponto de vista jurídico. Até essa data, os políticos estavam totalmente convencidos de sua impunidade. Nenhum caso dava em nada. Usei a quebra do sigilo bancário efetuada pela comissão parlamentar de inquérito (CPI) da época e pelo ex-presidente do Tribunal, Nelson Jobim.
Le Monde: Por que levou todo esse tempo?
Barbosa: A Justiça no Brasil é lenta. Após a ata de acusação ser entregue em abril de 2006, o procedimento manda que o caso seja reexaminado integralmente a fim de evitar as possíveis falhas antes de ser aceito pelo Supremo Tribunal. Cabe ao juiz relator obter depois o parecer de todas as testemunhas e acusados. Só que, nesse caso, a defesa apresentou 660 testemunhas! Então organizei e preparei um cronograma preciso das audiências que enviei aos juízes federais de 22 Estados, dando-lhes dois meses para ouvir em média trinta testemunhas. Assim, precisei de um ano e oito meses para constituir o dossiê. Disponibilizei tudo online, de maneira protegida, para que todos os participantes pudessem ter acesso aos dados em tempo real. Após um ano de conversas com a defesa, tomei a decisão de anunciar o fim da instrução em junho de 2011.
Le Monde: A sombra do ex-presidente Lula paira sobre o processo. Por que ele não foi chamado para depor, ainda que como simples testemunha?
Barbosa: Porque não há nada contra ele, seu dossiê está vazio. Além disso, não cabe a nós dizer quem a promotoria deve colocar na lista de réus. Em direito penal no Brasil, a responsabilidade é pessoal, não política. E não somos um tribunal político. Por três vezes, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB, centro) manifestou sua vontade de chamá-lo a depor. Votamos contra todas as vezes.
Le Monde: Em caso de condenação por lavagem de dinheiro ou corrupção, as penas podem chegar até dez ou doze anos de prisão. Veremos os culpados atrás das grades?
Barbosa: No Brasil, mesmo com uma condenação a três ou quatro anos de prisão, um acusado cumpre uma pena alternativa, como a de serviços comunitários. A lei foi feita assim. O impacto desse caso vem do próprio fato de que um julgamento possa acontecer.
Le Monde: Por que, para combater a corrupção, nenhum grande partido propõe uma reforma eleitoral ou uma modificação das regras de financiamento dos partidos reforçando a supervisão das doações das empresas?
Barbosa: É um dos pontos sobre os quais espero poder conversar com a presidente Dilma Rousseff, quando for presidente do Supremo Tribunal. Ela precisa de ajuda para assumir uma grande liderança a fim de operar uma mudança verdadeira.

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