Oração da terça!



Por Cidinha da Silva

Terça-feira é dia d’Ogum, camarada. Conheço bem essas coisas. Para cima de mim não cola essa patacoada de terça da grande batalha espiritual contra o mal na sua igreja. Quero dizer, até entendo, pois é do seu conhecimento que na rua Ogum trabalha, e antes do culto o senhor já entregou o que é dele, assim garante o funcionamento da coisa e posa de milagreiro.

Ogum é sujeito bom. Arrisco até que se diverte com a sua conversa mole de quebrar as sete forças do mal, com esse seu jeito estúpido e nada criativo de tentar manipular os símbolos dele. Estou falando do numeral sete, porque a maldade é por conta da sua cabeça. Porém, o senhor tome tento, o cara é bom, mas quando embravece, saia da frente, porque não fica cabeça sobre pescoço. A do senhor já está na mira da espada, abra o olho!

Diferente da mensagem do panfleto entregue nas estações de trem, às 18:00 (hora de Exu, bem sei e o senhor também sabe) para as pessoas que chegam em casa cansadas e desesperançadas, saiba que o povo dispõe comida, bebida, moedas, luz e flores nas encruzas, porque aqueles são lugares de confluência energética. Recebida a entrega orientada (é tudo troca), o povo da rua cuida de espalhar no mundo, as coisas do mundo e de quem está no mundo em interação com as forças do universo: o amor/o ódio, a admiração/a inveja, a saúde/a doença, o bem-querer/o mal-querer, a luz/a sombra. Tudo varia na intenção de quem manipula a força.

A estrada aberta pode dar num beco sem saída, numa bifurcação ou em direções múltiplas, depende da mestria e dos destinos espirituais do caminheiro. Os sentidos que se encontram e também se desconectam são o princípio de tudo, a encruza, então, é lugar de principiar as coisas.

Com negócio de cemitério eu não mexo, mas tenho certeza de que o senhor tem muita experiência sobre o assunto. Que o digam os concorrentes na caçada ao rebanho que o senhor deve enterrar por lá.

Os trabalhos nas pedreiras, cachoeiras, rios e matas são mobilizadores das forças da natureza. Das pedras que nos trazem a noção de resistência, silêncio e a compreensão de como somos ínfimos diante da criação. Das raízes, flores e frutos da mata, tudo o que se transforma, a impermanência do que nasce e morre, os novos estados a cada estação. Dos rios e cachoeiras a nos ensinar que água que brota não cessa, cria e recria a vida, nutre segredos tal qual o rio, calmo a nossos olhos, mas polvilhado de redemoinhos e quedas. Do mar que nos dá o sentido da travessia, da profundidade de sentimentos, da imensidão de horizontes, das forças maiores que fazem surgir da inconstância das ondas, a serenidade em nós.

Orixá é poesia. É amor. É lamparina acesa na noite dos tempos. É o zelo silencioso pela energia vital e pela harmonia da vida na terra. 

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