A serpente da Ilha do Amor
Por Cidinha da Silva
Sonhei que
Angorô, meu amigo, convocava Besén, seu primo, e juntos conversavam com a
venerável Aziri Tobosi, que lhes emprestava o ouro recebido dos negros
maranhenses ao longo de séculos de clamor
por liberdade.
O plano era colocar
o metal amarelo das águas primordiais na ponta da cauda da serpente adormecida
que envolve a Ilha de São Luís. Cuidadosamente, Angorô e Besén a moveriam para o topo das águas, mas só o ouro reluzente
ficaria à vista. A oligarquia regente da
Ilha seria irremediavelmente atraída pelo brilho de tamanha riqueza e o
oligarca-mor, a herdeira ocupada por camarões e lagostas do cardápio real,
enquanto cabeças são decapitadas por facções criminosas nas masmorras do reino,
e também os demais descendentes do déspota mergulhariam famintos atrás do ouro.
Angorô e Besén usariam o arco-íris para fazer um laço bem
grande que amarasse toda a família. Enlaçada, a trupe seria levada até a cabeça da serpente, com zelo, para que a
cauda se mantivesse bem distante dos olhos do monstro, evitando assim acordá-lo
e à ira que faria a Ilha submergir no oceano de algas verde-turquesa.
Sentindo o
cheiro de carne putrefata, a serpente abriria a bocarra e engoliria todo o clã
de manda-chuvas, ainda que com ânsia de vômito
ao ouvir os brados da herdeira atribuindo os desmandos do crime organizado e
dos criminosos presos, ao crescimento econômico do reino que atrairia meliantes
para conspurcar suas vastas terras.
Aos românticos e
sentimentalistas, a narradora avisa que a família saqueadora não seria tragada
viva, pois, ao perceber a morte iminente, cumprindo pacto macabro, cada um
dirigiria a cauda para a própria cabeça e inocularia veneno. Tal qual
aprenderam durante estágio probatório entre bichos peçonhentos.
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