Nazis Soltos, Rolezinhos no Corredor Polonês



por Cidinha da Silva*

Fazia sol bonito depois da chuva que havia espantado muita gente da Benedito Calixto. A mulher albina, de dreads grossos no cabelo crespo, meio amarelo, meio branco, circulava protegida por óculos escuros que lhe guardavam parte da face. Vez ou outra renovava a proteção dos lábios e da pele com cremes importados.

Ela vasculhava os produtos das barracas em busca das últimas lembrancinhas encomendadas pelos amigos estadunidenses, sandálias de dedo, de todos os tipos, cores e estampas, eram o must daquele verão.

Depois de finalizar as compras, a estrangeira decide comer algo. Em meio a tantos pratos saborosos escolhe um bacalhau gratinado com batatas. Pede na barraca ao lado um caldo de cana, bem gelado. Um cheiro de dendê fumegante move seus olhos para os boxes seguintes e ela paralisa o garfo a caminho da boca quando vê um homem a espera de um acarajé, tatuado com a suástica no peito.

Era branco, tinha quase dois metros, corpanzil trabalhado no anabolizante. Usava botas de alpinista, calça do exército do país dela, cortada como bermuda. A cabeça era raspada, o peito nu e a tatuagem cravada ali, deixando-a em estado de alerta.

Em situações de perigo (e em política, circunstância não menos perigosa), reza a norma que você imagine cenários. Ela já conhecia as assimetrias brasileiras o suficiente para saber quem pode se sentir protegido e quem é o suspeito preferencial na escala cromática do biopoder.

Ninguém molestava o indivíduo, cuja presença parecia não incomodar a ninguém. Aquela tatuagem não era Mandela, Gandhi, Benazir Butho, não, era a suástica! Embora ela tivesse consciência plena de que quem vê tatuagem de pacifista inscrita em um corpo, não vê coração. Há muita gente do fã clube do Mandela morto incapaz de agradecer ao ascensorista ou à faxineira que segura a porta do elevador para que a beldade entre. Mas a suástica é diferente, é explícita, direta. Ela emite uma mensagem instantânea de ódio racial dirigido às pessoas que não são arianas e isso deveria ser reprimido por quem zela pelas liberdades civis.

A moça passa os olhos ao redor em busca de um policial. Quem sabe se avisasse sobre o homem da tatuagem odiosa, talvez tratassem pelo menos de observar os movimentos do suspeito. Não há polícia e mesmo que houvesse, costumam ser treinados para garantir a segurança dos civis de classe média e para reprimir a circulação de meninos pretos e pobres em shopping centers, em nome da garantia da liberdade de consumo dos que têm dinheiro para consumir.

Está sozinha. Apavora-se. Vê então outro homem tatuado, desta vez perto de si, na barraca de churrasco. A tatuagem é verde e fica esmaecida na pele preta do homem. Ele a observa com cara amigável. Ela pede socorro com os olhos. Ele entende e sorri. Levanta um espeto bem acima da cabeça, olhando-o contra o Sol para conferir se está mesmo limpo. Faz isso com vários outros instrumentos perfurantes. A moça resolve mudar de lugar e senta-se próxima ao homem. Nunca se sabe quando um espeto de churrasco será útil.

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 escritora, Cidinha da Silva mantém a coluna quinzenal Dublê de Ogum.

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