A vizinha, a Presidenta e o Clark Kant da Boca Maldita


Por: Cidinha da Silva
Ontem, quando saía de casa por volta das 19:00 fui interceptada por uma vizinha no elevador. Estranhei porque ela mal abre a boca para responder quando a cumprimento, mas ela estava num estado de excitação incrível e dizia coisas esquisitas: “agora cai a sapatona e vão prender o barbudo”. Eu pensei, é quarta-feira, dia de Xangô, não é justo. Eu não mereço uma coisa dessas. Mas é também dia de Iansã, consolei a mim mesma, e ela não foge de uma guerra justa.
A vizinha se referia ao juiz Moro, o Clark Kant da Boca Maldita, que grampeara o telefone da Presidenta da República e do Presidente Lula. Depois que me refiz do susto, perguntei sobre o que ela falava e ouvi isso: “deu na televisão agora, passou no jornal, agora eles caem”.
“Mas um juiz pode grampear a presidenta? Quem autorizou? Isso não é ilegal?” Foi só fazer perguntas e as certezas dela tremeram.
A vizinha era para mim uma sentença matemática e eu queria descobrir o valor de X. Quem era o X da equação dela? Eu não entendo lhufas de teorias psicanalíticas, mas eu lia ali uma pulsão sexual gritante, desesperada.
Vejamos: trata-se de uma mulher branca baiana. Branca até o aeroporto de Curitiba. Tem dois filhos com um homem negro, que de vez em quando vejo apanhando as crianças ou deixando-as na portaria.
Até aquele dia eu achava que a grosseria dela comigo devia-se à possível identificação racial com o ex-marido negro (parece que se odeiam, mas também, quem é que sabe o que ela passou no casamento com cabra?), não posso ter certeza, mas achava e acho. É uma identificação com o resto, já que mulheres como ela se casam com esses caras negros porque é o que sobra. Elas prefeririam um branco mais branco que elas, ou pelo menos tão branco quanto, mas sobram os negros na bacia das almas. Negros que buscam uma branca que atue como passaporte para um mundo menos negro; salvo-conduto no mundo branco possível e para-choques no almoço de domingo nos restaurantes de classe média baixa. Aí juntam a fome com a vontade de comer e depois têm indigestão juntos.
Mas, naquele dia fatídico, ela agiu como em final de Copa do Mundo e achou que poderíamos ser íntimas. O “combate à corrupção” proposto por bandidos, chefes de quadrilha do Congresso, da Polícia Federal e do Judiciário e por coxinhas das mais variadas patentes, muitos deles beneficiários da propalada corrupção, nos uniria. Só que não, Jão!
Eu sou do time que vibra e dá suporte às 18 universidades públicas federais construídas pelo “analfabeto” Lula, a maior parte delas no interior do Brasil, gerando centenas de empregos para os pós-graduados e milhares de vagas para estudantes dos rincões do país. Ao ENEM e sua política de valorização do ensino médio e de acesso crescente do povo às universidades públicas. Às trabalhadoras domésticas, em especial, como as caras novas nessas universidades. Aos milhares de negros que entram a cada ano no ensino superior pelas cotas raciais. Aos milhões de pessoas que saíram da miséria pelo Bolsa Família e por outras políticas públicas de combate à pobreza.
Devo confessar que também me identifico com a jararaca e a vizinha tentou acertar minha cabeça, mas mirou errado e bateu no rabo.
Na tentativa derradeira de resolver a equação, insisto que dormita ali (no êxtase político da vizinha) uma questão de fundo sexual. Uma falta de tempo e de possibilidades que afoga as mulheres que cuidam dos filhos sozinhas somada ao poder deslumbrante, deslumbrado e totalitário do Clark Kant da Boca Maldita. Quem sabe até o sex appeal da jararaca barbuda, que ela parece odiar tanto, ou do lenhador pantaneiro, o denunciado alçado ao posto de denunciante pela delação premiada, é que lhe fustigue a libido reprimida.
Quem sabe mesmo a inconfessável sedução da discreta blusa vermelha da Presidenta na quarta-feira de Xangô e Iansã em que respondeu ao Moro por grampeá-la e anunciou que tomaria as medidas legais e administrativas cabíveis.

Tão elegante estava a Presidenta naquele vermelho-sangue coladinho ao corpo, bem desenhado em gola V. Acho que a vizinha não resistiu. Esse negócio de mulher pretensamente hetero que chama outras de "sapatonas" para agredi-las é sintoma do que se esconde. O estilista pessoal da Presidenta acertou a mão e sensualizou sem dó. Foi cruel. Flechou em cheio o coração da vizinha.

Comentários

Postagens mais visitadas